Uma criança necessita de atenção, carinho, cortesia no trato por parte de quem quer que seja, e especialmente respeito, que se traduz em simplesmente, da parte de nós adultos, do ter o cuidado, o respeito e consideração de não contaminá-las com nossos vícios, manias e maus hábitos.
"Respeito é quando ensinamos, não quando corrigimos..."
Sim, nós somos os contaminadores, uma vez que elas, psicologicamente, ao nascerem, ainda não são nada, não têm personalidade, costumes, sequer pensam. Mas, logo nos encarregamos de preenchê-las com aquilo que em nós temos de mais precioso, ou seja, nossas vaidades, crendices, superstições, medos, desejo de mudar o mundo de conformidade com nossa imagem e semelhança.
Observe o que motiva um corrupto. Não são os agrados, o prazer de ganhar alguma coisa, de levar alguma vantagem, obter um algo mais que o permita viver de forma mais confortável, algo que lhe dê a sensação de maior poder pessoal? Imagine se existisse uma maneira de tornar nossa vida mais fácil, ainda mais quando isso não requer muito esforço de nossa parte para ser obtido, já que isso tende a chegar para nós como um presente. Não é exatamente isso que busca também um corrupto, alguém disposto a levar sempre vantagem, um homem sem ética, um fiel partidário da lei do menor esforço?
Quando
uma criança é tratada como mimos excessivos, quer dizer presentes e
alguma forma de coerção para que cumpra seus deveres, ao invés de
respeito, ela está diante das mesmas condições que motivam também um
corrupto. Criança não precisa de tais mimos, criança precisa de
educação, zelo e respeito, disciplina ordenada, que é o sentido de
organização pessoal, toque e carinho. Essa espécie de mimo, isso sabemos
bem, além de não educar, corrompe o caráter, a formação moral daquela
criança, que ainda está criando seus alicerces.
Observe o mundo à nossa
volta, as milhares de gerações humanas que já povoaram essa terra, quase
todas a mimar seus filhos como uma norma institucional e educacional, e
veja-se o resultado obtido. Sabemos bem como a indústria do dar e
receber presentes e agrados, cada vez se firma mais em nossos dias.
Tornou-se uma religião, faz parte de todas as tradições, de todos os
povos, em todos os tempos. Sendo assim, se há tanta cordialidade entre
os indivíduos, se aumentam as formas de confraternizar, por que o mundo
simplesmente ignora tudo isso e segue moralmente deformado?
Observe o mimo como agrado, o
que tal coisa significa à mente infantil. Trata-se de um pagamento, uma
compensação, uma demonstração clara, por parte de quem o pratica, de
que aquilo lhe deve ser dado, porque, de alguma forma lhe é coisa
necessária. Trata-se assim de uma compensação, uma cortesia. E ao lhe
ser dada, também lhe informa, que ela, a criança, deve retribuir com
algo em troca, seja um simples gesto de obediência, seja um sorriso, o
que quer que seja. Mas logo, pela força do hábito, esse tipo de troca se
torna uma necessidade, um vício sem o qual, à medida que cresce e
quando se torna adulta, ela não consegue mais conviver. Torna-se uma
necessidade.
A mãe a “agrada” quando a
criança lhe dá alguma coisa, e logicamente também o recebe. Pode ser
apenas um sorriso involuntário, e através do mimo, a mãe lhe retribui o
gesto. Depois a coisa progride para as pequenas tarefas, ou no
desempenho escolar, ou no bom comportamento, e assim por diante.
É
comum os pais ficarem encantados com os primeiros gestos dos filhos, e
logo, vêem ali, diante deles, não um ser humano, mais uma espécie de
brinquedo animado, vivo, que lhes pertence, que é capaz de reagir aos
seus estímulos. E para que as crianças permaneçam “felizes”, sempre
sorrindo, já que isso, aos olhos dos pais, quer significar bem estar,
logo, as primeiras brincadeiras, expressas através de estímulos
sensoriais de todos os tipos, se transformam naquilo que chamamos de
mimos pagamentos. Se o mimo, carinho, gratuito, é para nós uma forma
válida de educarmos, compensarmos e demonstrarmos afeto pelos nossos
filhos, esse mesmo mimo, quando se transforma em pagamento é para eles
uma fonte de futura dependência.
Devemos
nos lembrar que, naquela mente, ainda em formação, não existe nenhum
conceito de regras sociais, nem a idéia do errado, ou certo, ou qualquer
outra coisa. Mas, aquela pequena psique, ainda sem nada escrito em sua
programação, sabe, por instinto, o que é bom para ela, isto é, o que é
necessário à sua sobrevivência. Isso não lhe foi ensinado por ninguém, é
um dote da natureza para todos os animais.
Admitir que não sabemos nos faculta a aprender.
E sobreviver significa
simplesmente: se não me favorece deve ser evitado; se ao contrário,
favorece, deve ser aceito e cultivado. Mas, ela ainda não possui
conceitos sobre ética, sobre comportamento incorreto ou correto, e a
depender do meio onde apreende as coisas, tudo isso passa a ser coisa
relativa daquela cultura, ou grupo, ou indivíduo educador, no caso, seus
tutores, ou pais.
Uma
mente lógica é o que possuímos. Uma mente que foi programada pela
natureza para associar às impressões percebidas do mundo exterior, ao
que favorece aquele corpo físico, cuja instrução principal é a
sobrevivência a todo custo. E logo ela, a criança, percebe que recebe
“agrados” sempre que ocorrem “certas” coisas, e uma destas são os mimos
que lhe fazem os pais quando esta sorri. Se os agrados lhe favorecem,
passam a ser cultivados como coisa necessária.
Mimo, o carinho espontâneo, é
coisa válida, torna-a mais segura de si, mais confiante, mais sensível,
mas sem a necessidade de trocas de nenhuma natureza, seja porque o bebê
sorri, seja porque ele pronuncia alguma coisa engraçada.
Mais crescida, logo aprende
que toda espécie de agrado ou compensação está vinculado a um sistema
troca, do qual, logo ela se inteira. Dá-se algo para receber uma
recompensa, e vice e versa. Nós lhe ensinamos isso, pode ser consciente
ou não, mas ensinamos. Depois a coisa ultrapassa a fronteira da
compensação física, ou seja, aquela que podemos ver e tocar, e entra no
mundo das nossas crenças pessoais. Assim, quando ela fizer alguma coisa
considerada correta ou ética, mesmo que nenhum adulto esteja presente
para compensá-la, olhos invisíveis, que a vigiam permanentemente,
certamente estarão cuidando de uma futura e valorosa compensação.
Assim, nós lhes ensinamos
que nada deve ser feito sem que exista uma contrapartida. Trata-se da
regra básica de todas as sociedades: é dando que se recebe. Está lá, em
nosso manual básico de vida na terra. Assim aprendemos, assim repassamos
aos nossos filhos, e o resultado é o mundo que podemos ver hoje. Como
podemos esperar que a compaixão sincera desperte em nossos filhos,
quando tudo que lhes ensinamos é que “é dando que se recebe”? Pode
existir compaixão onde existe o desejo de compensação por alguma ação
praticada?
Alguns defendem que não é
possível educar sem tais mimos, agrados materiais, como se de fato isso
significasse educação. De verdade, não precisamos corromper a mente de
nossas crianças com sistemas cada vez mais elaborados de coesão, com
promessas que jamais poderão ser cumpridas, tirando delas, logo no
berço, sua capacidade de se expressar com naturalidade, espontaneamente.
A criança não precisa ser
corrompida para cumprir suas obrigações, precisa sim, ser instruída para
não se corromper. Isso se faz simplesmente não a corrompendo com os
fáceis agrados de toda vida. Já crescida, consciente das coisas, que mal
há em lhes darmos um presente, sem motivo, sem ocasiões especiais, sem
cobrança de coisa alguma, de parte nenhuma?
Todo educador, isso inclui
os pais, precisa repensar sua forma de agir, e ponderar seriamente sobre
o assunto, isso se queremos sinceramente formar indivíduos que não
sejam multiplicadores do caos, da deformação moral, da insensibilidade,
que ora presenciamos com tanta intensidade em nossos dias.